A dica de hoje é uma "docusérie", rainhas africanas disponível na Netflix que analisa a figura histórica de Jinga, a cativante e destemida rainha guerreira de Dongo e Matamba, hoje Angola. Jinga ou Nzinga foi a primeira governante feminina de sua nação, precisando enfrentar complôs dentro de sua própria família para conquistar a coroa. Ela também teve que derrotar os colonizadores portugueses, que à época tentavam subjugar os povos da região sob seu comando. Hoje, ela é considerada um símbolo de força feminina e resistência.
Rainha Nzinga.
Não costumamos ver ou ouvir histórias sobre rainhas negras e quando ouvimos sobre elas é quase sempre sobre uma perceptiva masculina e europeia que distorce a história dessas mulheres que tiveram papel de destaque na resistência ao avanço do imperialismo. Infelizmente, essa visão do colonizador serve até hoje como fonte para muitos biógrafos e pesquisadores. A História da África é repleta de mulheres que tiveram grande importância e, até hoje, são símbolos de resistência e consideradas heroínas nacionais nos países onde viveram, como os das rainhas, Amina na Nigéria e Nandi kaBhebhe na África do Sul, entre outras.
Rainha Amina.
Pouco se sabe sobre o nascimento e a infância de grande parte delas. Diversas histórias são fruto da tradição oral e muitas informações não são unanimidade entre pesquisadores e historiadores. Todavia, pesquisas recentes sobre a História da África estão resgatando a história dessas personagens femininas que foram de extrema importância para muitas sociedades antigas do continente, uma delas foi a rainha Jinga. As ações dela podem ser facilmente comparadas às de Elizabeth I da Inglaterra ou Catarina II da Rússia.
Mas, devido a uma visão europeia imperialista, sua figura permanece ofuscada em relação a essas duas soberanas. Em vida, Jinga foi difamada por cronistas, e escritores póstumos que venderam para o público a imagem da rainha como uma selvagem, que encarnava as piores qualidades do gênero feminino. Os relatos fictícios dos séculos XVIII e XIX a retrataram como uma pessoa degenerada, movida unicamente por seus desejos sexuais e que participava de rituais bárbaros.
Entretanto, as fontes contemporâneas revelam uma versão dessa narrativa muito diferente da que se costumava acreditar. Por trás dos múltiplos estereótipos, existe a mulher que lutou pela independência dos seus reinos e que desafiou a autoridade do colonizador. E foi com esse objetivo de mostrar a história dela sem estereótipos é que Jada Pinkett Smith, produziu a série.
Jada Pinkett Smith.
Segundo, ela, a ideia veio quando ela e a filha, Willow Smith, se questionaram sobre quem eram as rainhas africanas e porque se sabe tão pouco sobre elas. Jada continua que: filmes como “A Mulher Rei” e “Pantera Negra” tornaram mais fácil para a Netflix contar essas histórias. Esperamos que isso possa inspirar outras mulheres e a próxima geração de cineastas”.
Bom, vamos a minha opinião sobre essa 'Docusérie'. A maioria dos documentários ocidentais modernos usam historiadores estrangeiros para recontar (ou interpretar mal) aspectos da história africana. Jada e a equipe garantiram a precisão histórica convocando vários historiadores africanos para construir a série, além de encenações dramáticas. O que eu amei!
Imagens: Série -Rainha Africanas (NETFLIX).
“Rainhas Africanas” oferece uma nova perspectiva sobre a história desse continente, mostrando que a África tem uma rica história própria, com pessoas poderosas e influentes que moldaram a região. Além disso, a série também acerta por destacar as realizações das mulheres africanas, do ponto de vista feminino, mostrando como essas mulheres desafiaram as normas de gênero e suas complexas e difíceis trajetórias até o trono, sem romantiza-las E a missão para dar vida a rainha Jinga foi a da atriz sul-africana, Adesuwa Oni.
Adesuwa Oni.
Ela é simplesmente maravilhosa. A mesma conseguiu trazer toda a complexidade e intensidade por trás dessa mulher incrível. Outro ponto positivo foi ver que a série mostrou o quanto a rainha era dedicada às irmãs e à família, e como elas foram de extrema importância para a vida de Jinga e para o reino. Jinga recebeu treinamento militar e político desde pequena, fazendo dela uma diplomata espetacular e uma comandante militar e estrategista extraordinária.
E é isso que faz a história dela ser muito interessante para mim, pois não vemos esse tipo de educação em rainhas europeias, por exemplo. Que foram educadas para serem submissas ao marido e quando exerciam algum tipo de poder, dependiam quase sempre de conselheiros e de militares do sexo masculino.
Rainha Ana I do Reino Unido.
Nas monarquias do continente africano, as mulheres reais é que tinham o protagonismo e a maioria esmagadora delas exerciam o poder de fato sobre seus reinos. E foi realmente muito legal ver que a série retratou como Jinga era uma líder nata e cercada de mulheres poderosas que ocupavam cargos importantes em sua corte, desde generais, sacerdotisas, diplomatas e conselheiras.
Imagens: Série -Rainha Africanas (NETFLIX).
A professora de Letras da Puc-Rio e doutora em Literaturas Africanas e Pós-Doutora em Filosofias Africanas, Aza Njeri, fez uma análise em seu canal (@AzaNjeri) sobre essa 'docusérie'. Ela comenta que os tons amarronzados utilizados na série nos remetem ao continente africano e reforçam um pouco a visão de uma África primitiva, muito comum no audiovisual. Isso esbarra um pouco no racismo estrutural e no preconceito que muitos têm em relação ao continente. Entretanto, as roupas e os detalhes simbólicos que aparecem na série foram muito bem pesquisados e bem-feitos, afirma ela.
Imagens: Série -Rainha Africanas (NETFLIX).
A professora aponta a ausência de atores angolanos e congoleses. Jinga é importante para esses territórios da África e diz que seria interessante ter a presença de atores e atrizes dessas regiões específicas. A série optou por trazer, em sua maioria, atores afro-americanos para interpretar os personagens e a produção foi filmada na África do Sul em vez de Angola, terra natal da rainha.
Ela destaca que, a obra foi pensada para o afro-americano, trazendo uma visão americanizada do que é o continente africano e uma leitura distorcida sobre o que seria a realeza africana, surfando na onda lucrativa de ancestralidade vinculada ao filme 'Pantera-negra’ que retrata uma monarquia ficcional em Wakanda. E ainda, a 'docusérie' não fala da relação que Jinga tem com Brasil e seus desdobramentos históricos por aqui.
Imagens: Série -Rainha Africanas (NETFLIX).
Ela conclui que não gostou muito da relação dos embangalas na série, pois apesar deles serem realmente um grupo muito violento, existe uma relação secular e histórica de parceria dos embagalas com os ingolas que são justamente a etnia que Jinga faz parte. Esses dois grupos se uniam em tempos de guerra e quando essas pessoas vêm sequestradas para escravidão nas Américas esse pacto é retomado lá em Quilombo dos Palmares e isso não é mostrado mais detalhadamente na série.
Imagens: Série -Rainha Africanas (NETFLIX).
Conclusão.
Bom, a professora gostou da série como um todo e eu também. Fiquei muito feliz que essa história importantíssima tenha chegado ao grande público por meio de um streaming gigante como a Netflix. Jinga foi uma das soberanas mais famosas da História da África. Ela não só fez da guerra um ofício, como também usou a religião e a arte da diplomacia para proteger o seu povo.
Estátua de Nzinga em Angola.
Ela lutou ferozmente durante quarenta anos de seu reinado contra os colonizadores, passando para a posteridade como um símbolo de força e resistência feminina. Jinga é reverenciada pelos angolanos, mas o resto do mundo mal sabe o nome dela. Já era hora de contar a história dessa poderosa monarca africana.
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Onde assistir: https://www.netflix.com/br/title/8165...
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Textos retirados na íntegra e trechos modificados dos seguintes sites:
https://www.ufrgs.br/africanas/nzinga...
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