Olhando meu Pinterest me deparei com está foto!
Laverie Vallee - Nome artístico "Charmion".
Eu não sei vocês mais a minha reação inicial foi de choque, porque na minha cabeça e acho que também no da maioria das pessoas é de que o fisiculturismo feminino é algo recente. Nunca pensei que existissem mulheres tão musculosas em pleno século XIX! Uma época em que a sociedade obrigava as mulheres a usarem espartilhos apertados para afinar a cintura o máximo possível, um símbolo de que como o corpo da mulher deveria ser.
Isso sem falar no desestimulo e proibição a prática de esportes considerados violentos para as mulheres, já que era sinônimo de homossexualidade ou “coisa" de homem.
Homens lutando boxe na era vitoriana.
Tais ideias machistas eram comuns, e derrubá-las era tarefa que exigia uma força descomunal. É o que as strongwomen (mulheres de força) possuíam de sobra, "Charmion", "Minerva" e "Vulcana" foram pioneiras nas exibições públicas de força, ganhando notoriedade e respeito, mudando os rumos da musculação e quebrando as normas binárias de gênero para sempre!
"Charmion" "Minerva" "Vulcana"
Musculação: uma prática milenar!
A musculação em si é uma prática milenar. Existem relatos de treinamentos de peso para amplificação da força em homens e mulheres desde a antiguidade, entre gregos, egípcios e outras civilizações ancestrais.
Esparta - Arquivo Aventuras/ Bikini girls mosaic, Villa del Casale, Piazza Armerina, Sicily, Italy-Autor desconhecido.
Em seus métodos de treino, os antigos gregos, por exemplo, incluíam exercícios de resistência que envolviam pedras, toras, animais ou mesmo um ao outro para melhorar sua força física. Ou seja, a supervalorização do corpo já esteve presente na vida em sociedade muito antes dos tempos atuais.
Imagem ilustrativa de estátua grega.
Para os gregos, da Grécia antiga, obter o físico, forte e rápido era um meio de se aproximar dos deuses e deusas, que eram dotados de imortalidade, força, velocidade e beleza superiores. Os atletas eram considerados exemplos a serem seguidos pelas pessoas e a preparação física fazia parte da educação dos jovens.
Da Grécia, surgiram muitas práticas atléticas atuais e o mais importante evento esportivo mundial, os Jogos Olímpicos.
Os Jogos Olímpicos da antiguidade, podem ser considerados a expressão desse pensamento que prezava pelo exercício e culto ao corpo, servindo também como um tributo aos deuses e deusas da época, como já mencionado.
Apenas os homens tinham permissão para competir nos Jogos Olímpicos no mundo antigo. No entanto, houve um evento no qual as mulheres foram autorizadas a competir — a corrida de bigas. Mas isso não deu a elas o direito de entrar no santuário olímpico durante os Jogos. As mulheres foram autorizadas a competir somente como proprietárias e treinadoras de cavalos nas corridas de bigas.
Wagner, Alexander von (b,1838)- Chariot Race, Circus Maximus, Rome, 1882 -2db.
E foi no ano 396 a.C. que a princesa Ciniska de Esparta competiu com sua equipe e venceu a corrida de bigas de quatro cavalos, sendo a primeira mulher na história, a vencer nos Jogos Olímpicos, e a única mulher a ter ganho a coroa sagrada de oliveira.
Kyniska - Fonte: Remijsen; Clarysse
Cinisca não pôde entrar no estádio para receber sua coroa, mas pôde adentrar o santuário de Zeus para a cerimônia dos vencedores e também pôde colocar sua imagem no local, como acontecia com os outros homens vencedores.
(Santuário) Estátua de Zeus - Uma das 7 maravilhas do mundo antigo.
Temos a notícia de que ela contratou escultores para fazer monumentos, eternizando, assim, os seus feitos atléticos. Infelizmente, o único vestígio que restou de seus feitos foi uma inscrição em forma de poesia, um epigrama que nos diz.
"Meus ancestrais e irmãos foram reis de Esparta. Eu, Cinisca, vitoriosa no carro de corrida de cavalos ágeis; erigi esta estátua. Declaro que sou a única mulher; Em toda a Grécia a ter ganho essa coroa". Ciniska.
(Grécia) Epigrama - 390-380 a.C.
A princesa também abriu as portas para outras mulheres competirem nos Jogos Olímpicos, incluindo, Euryleonis, em 368 a.C. Mulheres de outras cidades-estado, como Belistiche, Hermione, Cassia, também competiram e venceram. Além destes jogos olímpicos, nos quais havia menor acesso às mulheres, havia os Jogos Heraianos (esportes de corrida e de campo) reservado apenas às mulheres que eram dedicados à Deusa Hera, existiam também os Jogos de Haloá e os Jogos de Eleusinia dedicados à Deusa Ártemis. Cinisca, antes de ser uma campeã olímpica, já havia sido uma vencedora na corrida a pé dos Jogos Heraianos.
Pintura antiga em vaso grego, ilustrando competição de corrida das mulheres nas Heraias / Artista desconhecido
Nos livros tradicionais de história, ocultam-se estes jogos ou mesmo, em versões mais misóginas, escrevem-se que as mulheres não competiam nos Jogos Olímpicos da Antiguidade.
Cristianismo.
Com o fim do paganismo e o início do cristianismo, o culto ao corpo começou a decair. Na Idade Média, às práticas corporais foram quase abandonadas. A igreja, condenava os exercícios físicos, considerando pecado, passivo de punição. Somente a nobreza foi autorizada a praticar alguns jogos, como, por exemplo, as justas e os torneios, esportes estes proibidos às mulheres. Pois, segundo o pensamento medieval, não tinham elas, os atributos necessários para isto, como a força ou a agressividade, impostas a elas atributos como fragilidade e delicadeza.
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Século XX.
Foi no fim do século XIX e na primeira metade do século XX, período este de lutas e conquistas, tanto sociais como políticas, por parte da população, é que encontramos alguns registros de mulheres com um físico forte e uma aproximação das mulheres nos esportes de força.
Voto feminino e movimento operário.
Esse período foi marcado por investimentos artísticos e tecnológicos como, por exemplo, o surgimento do cinema, do telefone, e a capacidade de registrar tudo isso por meio da fotografia, que transformaram o modo de pensar e viver o cotidiano.
Na França, essa fase, considerada a era de ouro da beleza, inovação e paz entre os países europeus, ficou conhecida como a Belle Époque (bela época/1871 -1914) , tendo o seu fim com o início da Primeira Guerra Mundial (1914 - 1918). A França, transformou-se em referência mundial em educação, ciência, cultura e arte, sendo considerada Paris, sua capital, o centro cosmopolita da Belle Époque.
Foto de Paris no início do séc. XX
Com o culto ao corpo virando destaque novamente na sociedade, bem como o divertimento, surgiram espaços culturais de entretenimento, tais como, os cabarés, as casas de concertos, os cinemas, os teatros, as livrarias, os cafés e os ambientes que eram exclusivos para as exibições físicas de força. A musculação por si só, como esporte, ainda não existia.
Foi um período, infelizmente, marcado também, por uma forte divisão binária de gênero, onde as habilidades físicas tais como a força, e a coragem eram ainda atributos masculinos, enquanto, a fragilidade e a feminilidade eram impostas e considerados atributos femininos.
Porém, nesse mesmo período, algumas mulheres desafiaram este padrão e exibiam seus corpos hipertrofiados e fortes, rompendo as fronteiras entre a feminilidade e a masculinidade, criando novos corpos de pura potência muscular, para espanto de uns e admiração de outros. Elas eram as Strongwomen (mulheres de força), e se apresentavam em feiras, circos, shows e espetáculos nas ruas, nos teatros e salas de música.
Acima Charmion. Esquerda Minerva. Direita Vulcana.
Algumas mulheres se destacaram e marcaram posição nesse mundo até então exclusivamente masculino, como Laverie Vallee.
Laverie Vallee "Charmion".
Nascida em 17 de julho de 1875, em Sacramento, Califórnia, E.U.A, se aventurou no trapézio, ainda na adolescência, ganhando agilidade e força física ao longo dos anos. Ela usava o nome artístico de "Charmion", que em português significa encanto.
Laverie Vallee - Nome artístico "Charmion".
Sua estreia nos palcos aconteceu no natal de 1897, em Nova York, suas apresentações misturavam sensualidade, malabarismo, acrobacias perigosas no trapézio e demonstrações de força.
Além de possuir músculos e habilidade, Laverie foi uma das artistas que melhor se aproveitou do surgimento da fotografia e do cinema para ampliar seu sucesso.
Laverie Vallee - Nome artístico "Charmion".
Foi assim que em 1901, o inventor da lâmpada incandescente, Thomas Edison, decidiu registrar em filme, uma apresentação de Charmion. Intitulado em português o “Número de trapézio tirando a roupa”, o filme mostrava detalhes do show, como também dois homens da plateia aplaudindo e pegando as peças de roupa atiradas.
Trapeze Disrobing Act (Thomas Edison 1901)
Segundo consta, a presença dos homens no filme servia para sinalizar para as plateias que assistissem ao filme de Edison, que não deveriam se escandalizar, como sugeririam as conservadoras do início do século XX. Laverie morreu em 6 de fevereiro de 1949, aos 73 anos, na Califórnia, E.U.A.
Kate Roberts "Vulcana".
Outra strongwomen foi Kate Roberts, nascida no País de Gale, em 1883, usava o nome artístico de Vulcana. Registra-se que ela foi a primeira mulher a realizar o “Tombo of Hercules” (O tombo de Hércules), no qual ela se posicionava no chão em um backbend, uma plataforma era colocada sobre seu corpo por onde caminhavam cavalos e homens.
Kate Roberts "Vulcana".
“Tombo of Hercules” (O tombo de Hércules).
Sua força impressionou um dos mestres da cultura física na França, Edmond Desbonnet. Ela era casada com Atlas que também era um fisiculturista e os dois se apresentavam em vários locais, e foram um dos casais mais conhecidos da Belle Époque.
Kate Roberts, morreu em 8 de agosto de 1946, aos 72 anos, em Londres, Inglaterra.
Mária Loorberg.
A terceira mulher de força foi, Mária Loorberg, usava como nome de palco, Mária Lurs. Nasceu em 1881, na Estônia. Com um peso de 80Kg distribuídos em 1,68 m de altura era comum treinar com pesos de 70 kg realizando um levantamento com uma só mão erguendo 50kg acima da cabeça.
Apresentava o espetáculo nomeado o “carrossel vivo” onde pessoas ficavam amarradas com cordas que ela erguia sobre os ombros e girava ao redor do palco.
Mária Loorberg.
Dentre outros feitos, ela levantava dois homens, com peso de aproximadamente 66 kg, cada. Ficou conhecida como uma forte lutadora sendo considerada a maior atleta do império russo na sua época. Mária Looberg morreu em 30 de março de 1922, aos 41 anos, na Estônia.
Mária Loorberg.
Josephine Schaur Blatt "Minerva".
Josephine Schaur Blatt, foi outra mulher de força. Nasceu em Hamburgo, na Alemanha, ficou conhecida como Minerva. Foi uma das mulheres mais fortes e bem-sucedidas no circuito da arte corporal. Com uma altura de 1,73 cm, ela pesava 75 kg e seus bíceps mediam, aproximadamente, 45 cm, suas demonstrações de força incluíam quebrar cadeiras de aço expandindo seu peito e parando balas de 10 kg disparadas de um canhão próximo.
Josephine Schaur Blatt.
Em 1893, ela se tornou a mulher mais forte do mundo segundo o Guinness Book of World Records (livro dos recordes), quando levantou um total de 3,563 libras em teatro em Nova Jersey (Bijou Theatre em Hoboken). O mistério e a invisibilidade são aspectos que chamam a atenção sobre a vida e o trabalho de Minerva. O que não é incomum. As mulheres eram e são sistematicamente apagadas da história, sobretudo, aquelas que, sendo fortes e hipertrofiadas, estão na contramão das descobertas científicas que diziam que as mulheres eram, naturalmente, fracas e vulneráveis.
Minerva nos deixou com inúmeras questões sem resposta: Qual era seu verdadeiro nome? Teve filhos? Quais foram seus recordes precisos? Como era percebida pelos homens e mulheres que a viam? Josephine morreu em 1 de setembro de 1923, aos 54 anos, em Nova York, E.U.A.
Katie Brumbach "Sandwina".
E a nossa última strongwomen foi Katie Brumbach, a mesma ficou conhecida como Sandwina ou a Iron-Queen Sandwina. Sandwina. Nasceu em Viena, no ano de 1884, era filha de artistas de circo, desde criança praticava exercícios de força juntamente com três de suas irmãs que, como ela, também faziam exibições públicas.
Sandwina
Ficou famosa por fazer malabarismos com balas de canhão e equilibrar um canhão de 545 kg em seus ombros! Ela era forte, charmosa e feminina, como a maioria das strongwomen, ao contrário do que muitos diziam, e era também mãe.
Uma de suas demonstrações de força mais populares envolvia levantar o marido sobre a cabeça com um braço. Feito registrado nessa foto incrível!
Sandwina e o marido Max Heymann.
Ela realizou muitas outras façanhas, como, por exemplo, dobrar barras de aço e resistir ao puxão de quatro cavalos. Adquiriu grande popularidade nos primeiros anos do século XX, quando em um pequeno clube na cidade de Nova York, venceu o famoso Eugene Sandow (o "pai" do fisiculturismo moderno) em um desafio de força ao erguer sobre sua cabeça um peso total de 136 kg superando o adversário, que o ergueu somente até a altura do peito.
Eugene Sandow, conhecido como o pai do fisucultirismo, era uma figura popular desde o final do século XIX, não só na Europa como também nos Estados Unidos. Além de participar de inúmeras exibições públicas de força física, criou um sistema de treinamento físico voltado para o desenvolvimento muscular, arregimentando vários alunos e seguidores. A imagem de seu corpo, moldado pela exercitação, era divulgada, também, pelo uso da fotografia e dos filmes, na Europa e na América, a imagem de Sandow figurou em milhões de cartões de visitas e de selos.
Eugene Sandow
Não podemos dizer o mesmo dela, que ficou por longo tempo apagada da historiografia, mesmo tendo vencido o poderoso Sandow.
Sandwina foi casada com Max Heymann por 52 anos e teve pelo menos um filho. Batizado com o nome de Theodore, tornou-se lutador de boxe profissional nos Estados Unidos entre os anos de 1926 e 1932, tendo adotado como nome artístico Teddy Sandwina, em homenagem a sua mãe. Ela foi considerada a mulher mais forte do mundo em 1910.
Aos 64 anos de idade, Sandwina aposentou-se e abriu um restaurante com seu esposo em Nova York.
Ocasionalmente, divertia-se quebrando ferraduras, dobrando barras de aço e jogando seu marido para o teto. Ela faleceu em 21 de janeiro de 1952, em Nova York, EUA.
Sandwina, Max Heymann e Theodore.
Aversão aos corpos femininos musculosos.
A hipertrofia e, em consequência, a musculação, demonstrada por Sandwina e muitas outras mulheres, era, para muitos intelectuais e escritores daquela época, considerada uma “atividade física excessiva”, que contribuía para a "masculinização da mulher". Julgava-se quão feminina era uma mulher pela exterioridade do seu corpo.
Mudanças na ordem da “normalidade” e da “naturalidade”, como a potencialização dos corpos, das atletas, inflavam discursos machistas e apontam o quanto era restrito o acesso das mulheres ao esporte de força na época. Por isso muitas destas strongwomen viviam e trabalhavam apenas com apresentações artísticas de força e de muscularidade, sem participar de competições oficiais.
Barão Pierre de Coubertin, idealizador dos Jogos Olímpicos Modernos, excluiu a participação das mulheres nesse evento, com base numa visão vitoriana de papéis sociais femininos e masculinos. Que era uma visão do tipo “menina veste rosa e menino veste azul”. O mesmo via os jogos como um fórum apropriado para representar somente a esfera competitiva masculina, pois entendia que as mulheres possuíam uma “incapacidade inata”, isto é, não eram capazes mentalmente e fisicamente de terem habilidades físicas tais como a força e a coragem, atributos e capacidades pertencentes somente ao gênero masculino.
Isso garantiu por muito tempo que a legislação, na maior parte do mundo, apoiasse a exclusão das mulheres em muitas modalidades esportivas. A participação de mulheres e homens no mesmo evento esportivo só aconteceu em 1900, na Olimpíadas sediadas em Paris, na França. Na ocasião, 997 homens participaram do evento, contra 22 mulheres.
Podemos ver essa aversão a hipertrofia em corpos femininos aqui no Brasil também, especificamente nas obras de Fernando de Azevedo (1894 – 1974). Ele foi um educador de grande influência e defensor da educação física nas escolas. Foi um dos expoentes do movimento da 'Escola Nova", que defendia novos ideais de educação e estabelecia diretrizes para uma nova política educacional.
Para ele, educação era um direito do cidadão e um dever do Estado, por isso, lutou por uma educação igualitária, comum para a elite e para o povo. Todavia, o mesmo tinha uma visão misógina sobre como a educação entre homens e mulheres deveria ser, principalmente no aspecto relacionado ao exercício físico.
Fernando de Azevedo
Pois segundo ele, o papel da Educação Física, para a mulher, era o de proporcionar a elas saúde e força para terem filhos saudáveis, tornando-se mães robustas e, consequentemente gerando homens fortes e saudáveis para proteção da Pátria, bem como para a "eugenização da raça brasileira", ou seja, para o melhoramento da raça brasileira.
Presumo que Azevedo sabia da existência das mulheres hipertrofiadas, mas optava por não falar sobre elas, porque os “corpos femininos excessivos” eram considerados uma “aberração” sem precedentes e significavam um sério risco as imagens construídas para estabilizar e assegurar um "jeito feminino" de ser e se comportar.
Primeiras competições.
As competições e embates entre os atletas envolvendo simetria e o desenvolvimento muscular em si começaram como uma disputa esportiva, somente em 1940, quando começaram as primeiras competições de body building nos Estados Unidos e na Inglaterra. Nessa época, ainda não existiam categorias femininas e era ainda um tabu o desenvolvimento muscular em mulheres.
Contudo, isso não impediu algumas pioneiras de se arriscar no esporte como a lendária Abbye “Pudgy” Stockton, que realizava exibições de força em conjunto com o marido Les Stockton, também fisiculturista, em praias dos Estados Unidos. Abbye se tornou famosa e chamou atenção para o fisiculturismo e o levantamento de pesos feminino. Hoje ela faz parte do Hall da Fama da IFBB (Federação Internacional de Fisiculturismo & Fitness).
Abbye “Pudgy” Stockton
Abbye “Pudgy” Stockton e o marido, Les Stockton.
A mesma chegou a ganhar o título de “Miss Physical Culture Venus” duas vezes e um prêmio da revista Physical Culture. Abbye foi considerada uma versão feminina de John Grimek, o lendário e pioneiro fisiculturista que era o principal nome do esporte na época e um dos mais importantes até hoje. Além de Abbye, outras mulheres também se envolveram com o fisiculturismo feminino, como a modelo Betty Brosmer.
Entretanto, sem competições e suporte, a cena do fisiculturismo na época era apenas uma curiosidade, com muitas mulheres exibindo seus corpos e feitos em circos, em vez de provas formais, ainda como no início do século XX.
Na década de 60, o fisiculturismo feminino esfriou, ao mesmo tempo, em que parte da sociedade resgatava valores conservadores e machistas sobre o papel da mulher. Só que com no final dos anos 70 o feminismo voltou a ganhar força e, com ele, essa modalidade esportiva.
Primeira competição feminina.
A primeira competição oficial de fisiculturismo feminino que se tem notícia, com foco exclusivo no desenvolvimento muscular e simetria, aconteceu em um pequeno torneio no estado de Ohio (Ohio Regional Women’s Physique Championship) nos Estados Unidos, realizado em novembro de 1977. Nos anos seguintes, surgiram diversas outras iniciativas e competições pulverizadas com a participação de mulheres que em maior parte eram modelos ou levantadoras de peso.
Apenas em agosto de 1979 é que aconteceu o campeonato The Best in the World, que foi o primeiro evento sancionado pela I.F.B.B voltado para mulheres. Entre as pioneiras da época, se destacam nomes como Laura Combes, Lisa Lyon, Cammie Lusko e Kay Baxter (Campeã de 79).
Da esquerda para direita :Laura Combes, Lisa Lyon, Cammie Lusko e Kay Baxter.
E apesar de ser uma competição de fisiculturismo e não um desfile de moda, as competidoras precisavam se apresentar de saltos altos e não podiam realizar certas poses consideradas “masculinas”, como o duplo bíceps e a expansão de dorsais. Não era permitido a elas nem mesmo fechar os punhos na apresentação.
A situação muda um pouco nas décadas de 80 e 90, com a criação de Ms. Olympia, categoria está destinada às mulheres, e que desta vez não era um desfile de moda, fazendo com que o esporte começasse a ser mais reconhecido e nomes como, Cory Everson, Lenda Murray e Kim Chizevsky dominassem o Ms. Olympia, ajudando a modalidade a alcançar uma audiência maior. Ao mesmo tempo, os valores sociais e a percepção da mulher na sociedade evoluem, o que ajudaram a derrubar um pouco do preconceito em relação ao fisiculturismo feminino.
Da esquerda para direita: Cory Everson, Lenda Murray e Kim Chizevsky.
O momento atual do fisiculturismo feminino.
Por ser muito relacionado à força física, o fisiculturismo foi e é um espaço de luta e resistência para as mulheres que o praticam. Elas precisam lidar ainda com a desvalorização de seu esforço, carência de patrocínios e menor premiação em dinheiro do que as categorias masculinas. Atualmente, atributos como feminilidade, graciosidade e delicadeza são ainda critérios de avaliação das atletas nas competições organizadas pelas federações de fisiculturismo.
Tendo se inserido no esporte nos anos 1980, as atletas do fisiculturismo começaram, na década seguinte (1990), a construir medidas musculares agigantadas e uma maior definição muscular.
Em 1992 os árbitros foram orientados a deixar de valorizar grandes volumes musculares e priorizar atletas que exibissem uma aparência “mais feminina”. Em 2004, o presidente da IFBB, Jim Manion, publicou a polêmica regra dos 20%, em que ele exigia que, por "razões de saúde" e "estéticas", as competidoras deveriam reduzir a massa muscular em 20%.
Estas medidas foram e são recebidas com desgosto pelas atletas que, como os homens, desejam desenvolver sua musculatura até o limite.
Lenda Murray
Além disso, as mulheres são usadas pelas confederações como instrumento para atrair público e patrocínio, com a criação de categorias que devem se apresentar como ‘bonitas’, ‘femininas’ e ‘sem volume muscular excessivo’. Uma delas é a Biquíni Fitness: Esta categoria foi inserida nas modalidades da IFBB em 2011, onde a definição e o volume muscular não são permitidos.
A atleta deve apresentar um corpo simétrico, com baixo percentual de gordura. Beleza facial, simpatia, cabelo, maquiagem e graciosidade são considerados na pontuação. São utilizados sapatos de salto alto, biquínis brilhantes e coloridos e joias grandes.
Elas desfilam no palco sorrindo constantemente, movendo muito os quadris e curvando as costas. Fazem movimentos suaves e ondulações com os braços. As poses para avaliação são todas relaxadas, sem flexionar os músculos.
Em um momento da apresentação, é solicitado que as atletas caminhem até o fundo do palco e voltem novamente à frente. Esta categoria é usualmente descrita como "muito feminina e bonita". A categoria Men’s Physique, foi criada com o mesmo intuito, os competidores devem ser bonitos, cuidar dos cabelos, sorrir no palco, como as mulheres e por esse motivo que a categoria é desdenhada pelos demais atletas masculinos que competem em categorias que exigem um maior volume muscular.
Men’s Physique * Outras modalidades
Quando competem como os homens, na categoria Women’s Physique, argumenta-se que as atletas são "pouco femininas" e "esteticamente desagradáveis ao público e aos patrocinadores" e que "a musculatura exacerbada não é saudável ou natural em mulheres".
Andrea Shaw
Essa aversão causada pelas atletas hipertrofiadas monstra que enquanto nas categorias masculinas há um incentivo para o aumento da musculatura, até o seu limite, para as femininas é imposto que controlem seu crescimento muscular para que não se pareçam com homens.
Conclusão.
Ao revisitar os feitos das strongwomen (mulheres de força), podemos afirmar que elas buscaram exibir sua arte e conquistar através dela, o respeito, em um período no qual a maternidade, a feminilidade e a fragilidade eram atributos impostos exclusivamente às mulheres. A luta delas, implicaram, diretamente, na conquista de direitos e de espaços, conquistados com muita pressão e de reivindicação, pelas gerações que se seguiram.
Conheça a história sobre o fisiculturismo feminino através de outras mídias digitais.
Para mais história das mulheres, acesse meu canal do Youtube: @historiafeminina - https://www.youtube.com/
Textos retirados na íntegra e trechos modificados dos seguintes sites:
TCC:
AS STRONGWOMEN DA BELLE ÉPOQUE E A QUEBRA DO MITO DA FRAGILIDADE INATA Iasmim Santos - Patrícia Lessa dos Santos.
AS STRONGWOMEN E A HERSTORY NA MUSCULAÇÃO Iasmim Santos - Patrícia Lessa.
A MATEMATIZAÇÃO DO MÚSCULO NO FISICULTURISMO FEMININO Angelita Alice Jaeger.
EVIDÊNCIAS DE VALIDADE DA ESCALA “SHAPE” DE IMAGEM CORPORAL EM FISICULTURISTAS PATRÍCIA OLIVA CARBONE.
Ângelo Fernandes Zanini Professora Orientadora: Ms. Stela Maris Stefanello Stefanello PRE CONTEST DE UMA ATLETA DE FISICULTURISMO. “Se músculo é coisa de homem, por que você não tem?” Etnografia do fisiculturismo feminino em Santa Catarina Helena Motta Monaco*.
Angelita Alice Jaeger Silvana Vilodre Goellner - O músculo estraga a mulher? O músculo estraga a mulher? A produção de feminilidades no A produção de feminilidades no fisiculturismo fisiculturismo.
Origem e Desenvolvimento do Fisiculturismo: uma análise fílmica -MARCELO VÍTOR BENÍCIO DE PINHO FOCO, FORÇA, FÉ: notas sobre uma etnografia do fisiculturismo feminino em Salvador Marília da Silva Lima.
GABRIELA CÁSSIA GRIMM HARDCORE LADIES: O FISICULTURISMO DE MULHERES A exclusão da categoria Bodybuilding Feminina nos campeonatos de fisiculturismo: uma analise inicial - Cintia Vianna Leão.
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