Antonieta de Barros, uma das três primeiras mulheres eleitas no Brasil e a primeira mulher negra a assumir um mandato popular. Sua bandeira política era o poder revolucionário e libertador da educação para todos!
Ela foi responsável pelo projeto de lei que criou o dia do professor.
Ela rompeu barreiras não só na política, mas também na imprensa e no magistério, foi uma ativa defensora da emancipação feminina e na luta pelo reconhecimento da cultura negra, deixando sua marca na história do país.
Antonieta de Barros.
Antonieta nasceu, em Santa Catarina, em 11 de julho de 1901, na antiga Desterro, hoje Florianópolis. No registro de batismo, não aparece o nome do pai, todavia a paternidade e atribuída a Rodolfo José de Barros, um funcionário dos correios.
Antonieta perdeu o pai muito cedo, ficando com sua mãe, Catarina de Barros, a responsabilidade de criar e sustentar a família.
Antonieta de Barros com sua mãe e sua irmã.
Sua mãe, era ex-escrava, e trabalhou como cozinheira, empregada doméstica e lavadeira. Foi uma grande incentivadora da educação, persistindo que seus filhos percorressem o caminho dos estudos, interrompendo o forte ciclo de servidão e ofensas, herança sórdida dos tempos da escravidão. Desde cedo, Antonieta foi marcada pela pobreza, e aprendeu, com o apoio da mãe, que a única forma de enfrentar as barreiras impostas pelo preconceito de cor, classe e gênero era se alfabetizar.
Quanto a sua alfabetização, temos algumas fontes que nos dizem que foi em um dos empregos da mãe, especificadamente na casa da família de Nereu Ramos, que assumiria a presidência da república décadas depois, que a paixão de Antonieta pela educação começou. Com a ajuda da família empregadora, a quem os historiadores afirmam terem carinho por Antonieta e a mãe, ela foi alfabetizada em uma escola particular em 1906, quando tinha cinco anos.
Outros relatos nos dizem que Antonieta já era uma mulher adulta quando aprendeu a ler e escrever, sendo ensinada por estudantes que viviam em sua casa, transformada em uma pensão por sua mãe, para completar a renda da família. Qualquer que tenha sido como foi alfabetizada, Antonieta agarrou a oportunidade com unhas e dentes, e em 1917, com apenas 16 anos, entrou para a Escola Normal Catarinense — instituição de ensino responsável por formar professores dando a possibilidade a Antonieta de seguir o sonho de ser professora. Concluindo o curso em 1921.
Antonieta de Barros.
Antonieta decidiu passar o conhecimento obtido para outras pessoas à margem da sociedade. E em maio de 1922, ela inaugurou o Curso Particular de Alfabetização "Antonieta de Barros" , visando combater o analfabetismo de adultos carentes. Sua crença era que a educação era a única arma capaz de libertar os desfavorecidos da servidão.
Isso fica bem claro em um de seus discursos realizados no Congresso.
" Educar é ensinar os outros a viver; é iluminar caminhos alheios; é amparar debilitados, transformando-os em fortes; é mostrar as veredas, apontar as escaladas, possibilitando avançar, sem muletas e sem tropeços; é transportar às almas que o Senhor nos confiar à força insuperável da Fé ”.
O analfabetismo em Santa Catarina, em 1922, época que Antonieta começou a lecionar, era de 65%. Apesar de o Estado aparecer com um dos índices mais altos de escolarização do país, seguidos por São Paulo. Isso era devido, conforme fontes do período, pela presença alemã no Estado. Sua fama de excelente profissional, fez com que lecionasse também para a elite do Estado, nos Colégio Coração de Jesus, Dias Velho e Catarinense.
Antonieta foi, ainda, professora de português, literatura e psicologia em instituições públicas e privadas de formação de professoras, tendo reconhecimento e admiração pelas normalistas que a convidavam para paraninfa em sucessivas formaturas. As normalistas eram as mulheres que cursavam Pedagogia sendo um tipo de habilitação para o magistério nas séries iniciais do ensino fundamental.
Normalistas.
Antonieta era católica atuante e combinava a personalidade religiosa e os trabalhos filantrópicos com a defesa das mulheres, se aproximando das questões relacionadas ao feminismo daquele período, o que ocasionava algum repúdio das alas mais conservadoras da Igreja Católica. Ela defendia a importância do voto feminino e da participação das mulheres na política, mantendo contato com feministas de diferentes regiões como Bertha Lutz, uma importante ativista feminista, que foi bióloga, educadora, diplomata e política brasileira.
Bertha Lutz.
Antonieta foi desbravadora em diversos assuntos relacionados a independência das mulheres considerados tabus na época, como dirigir, por exemplo, e ainda, o poder aquisitivo que muitas mulheres começavam a ter, como possuir carro e telefone, viajar nas férias. É admirável e, ao mesmo tempo, perturbador notar que na primeira metade do século XX Antonieta já defendia temas que são urgentes ainda hoje: a emancipação da mulher, a educação para todos, e a valorização da cultura negra.
Além de professora, atuou como jornalista e escritora, destacando-se pela coragem de expressar suas ideias em um contexto histórico que não permitia às mulheres a livre expressão. Fundou e dirigiu o jornal "A Semana" entre os anos de 1922 e 1927 sendo considerada a primeira mulher negra a trabalhar na imprensa catarinense. Em 23 anos de contribuição à imprensa escreveu mais de mil artigos em oito veículos e criou a revista "Vida Ilhoa".
Imagem do canal: @históriafeminina
De seus opositores nos jornais e nas bancadas, ouviu que “mulheres não deveriam opinar, pois nasceram para servir”, “que a natureza não dá saltos, cada ser deve conservar-se no seu setor, e a finalidade da mulher é ser mãe e ser rainha do lar” e que “não seguisse o exemplo de Anita Garibaldi, uma vagabunda”.
Mas esses comentários machistas, não a intimidaram. Antonieta era forte, mulher de fibra. Não havia quem tivesse argumentos para calá-la. As calúnias eram rebatidas com intelecto e destreza nos artigos assinados sob pseudônimo "Maria da Ilha".
Imagem do canal: @históriafeminina
Sua caneta era afrontosa. Escrevia sobre educação, os desmandos políticos e a condição feminina. Dizia que as mulheres não deveriam ser “virgens de ideias”. Uma das poucas frustrações da carreira de Antonieta foi não ter cursado o ensino superior. Seu sonho era entrar na Faculdade de Direito, na época exclusiva para homens. Em um artigo publicado no Jornal República, em julho de 1932, Antonieta fez críticas à falta de oportunidades de mulheres continuarem a formação estudantil em faculdades.
“Há uma grande lacuna na matéria de ensino: a falta dum ginásio onde a mulher conquiste os preparatórios para ingressar no ensino superior. O elemento feminino vê, assim, fechados diante de si, todos os grandes horizontes”, frisou na publicação.
Em 1937, publicou o livro Farrapos de Ideias, o primeiro livro publicado por uma mulher negra em Santa Catarina. Os lucros da primeira edição foram doados para construção de uma escola para abrigar filhos de pessoas afastadas da sociedade por terem lepra. Meu Deus, que mulher incrível!
Livro Farrapos de Ideias - Antonieta de Barros.
Em 1934, ingressou na política através do Partido Liberal Catarinense, sendo a primeira mulher de seu Estado a se eleger e a ganhar uma cadeira na Assembleia Legislativa, menos de 50 anos após a abolição da escravatura e apenas dois do sufrágio-que deu às mulheres direito ao voto. Em um país fortemente preconceituoso quanto à classe, cor e gênero. Infelizmente, preconceitos estes que vivenciamos, até hoje!
Antonieta sentada entre seus colegas parlamentares, no dia de sua posse em 1935.
Desde sua vitória, apenas outras 15 mulheres ocuparam uma cadeira na Assembleia de Santa Catarina, e mais nenhuma delas negra. Atuou na assembleia legislativa catarinense até ser destituída do cargo, em 1937, devido à ditadura do Estado Novo, instituída por Getúlio Vargas. Com a queda do Estado Novo e o início da redemocratização, ela foi eleita novamente em 1947, cumprindo seu mandato até 1951.
Enquanto presidiu trabalhos no Congresso Legislativo dedicou-se a propostas relacionadas ao magistério, entre elas a que institui o dia 15 de outubro como o Dia do Professor. A data era comemorada informalmente, mas foi um projeto de Lei de Antonieta que se criou o Dia do Professor e o feriado escolar nessa data em Santa Catarina.
Registro do acervo do Memorial Antonieta de Barros
Documento: projeto de lei de autoria de Antonieta de Barros.
Documento: projeto de lei de autoria de Antonieta de Barros.
A data seria oficializada no país inteiro somente 20 anos depois, em outubro de 1963, pelo presidente da República, João Goulart. Outras leis importantes foram feitas por Antonieta, como concessões de bolsas para cursos superiores concedidas há alunos carentes e a realização de concursos públicos para o magistério, para elevar o ensino público e evitar apadrinhamentos. Apesar desses feitos incríveis, Antonieta era exceção.
Por superar a pobreza, obter prestígio e reconhecimento social, ela ultrapassou as expectativas da sociedade para uma mulher negra, porém, isso não a protegeu de sofrer racismo. Um exemplo relatado por familiares eram as ameaças, que recebia por telefone que foi pioneira em ter.
Nas disputas políticas, sua origem também era usada para atacá-la, como aconteceu nas campanhas para deputada. Historiadores afirmam que Antonieta não se abatia com as críticas e permanecia firme nos cargos em que ocupou. Quando possível, ela chegava a responder publicamente aos ataques. Um desses ataques foram efetuados por Oswaldo Rodrigues Cabral, político, jornalista e professor de história catarinense, que afirmou que as publicações da escritora nos jornais eram “intriga de senzala”.
Na ocasião, Antonieta respondeu o comentário em uma publicação no jornal "O Estado" e afirmou:
“… a sua Excelência, falta uma das qualidades de professor: não distinguir raças, nem castas, nem classes”, frisou, em maio de 1951.
Fica evidente a prática racista, persistente até hoje, assunto que Antonieta voltou a comentar em artigos posteriores, o que fez até pouco antes de sua morte. Antonieta faleceu em 28 de março de 1952, vítima de complicações diabéticas.
Homenagens ?
Por seu exemplo de vida, várias homenagens foram feitas a essa mulher incrível, dentre elas; a criação da “Medalha de Mérito Antonieta de Barros”. Este prêmio homenageia as pessoas físicas e jurídicas que realizaram relevantes trabalhos ou se destacaram na defesa dos direitos das mulheres. Na atualidade, a Assembleia homenageia Antonieta criou o Programa Antonieta de Barros, que investe na formação de jovens aprendizes de comunidades carentes.
E em 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou a lei que inscreve o nome de Antonieta de Barros, no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, que se encontra no Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves, em Brasília.
No Centro de Santa Catarina, um mural de 32 metros de altura foi feito em homenagem a ela. Entre outras homenagens pela cidade.
Mural homenageia Antonieta de Barros no Centro de Florianópolis — Foto: Gabriel Vanini/Divulgação.
Em 2015, a cineasta paulista Flávia Person concluiu o documentário, "Antonieta", no qual resgata do esquecimento a história de vida desta mulher fantástica. Reconhecimento Pouquíssimas pessoas ouviram falar de Antonieta de Barros nesse país, ou pior nem sequer sabem de sua existência. O que infelizmente é um fato extremamente comum no Brasil.
O jornalista e escritor, Victor Paiva em um texto feito para o site “hypeness”, nos fala que; em um país que se diz democrático e luta pela liberdade e igualdade, o nome de Antonieta de Barros deveria ser tão comum e repetido quanto ou muito mais do que, Tiradentes ou todos os presidentes ditatoriais e torturadores que seguem batizando ruas e escolas pelo país.
O jornalista pega o exemplo de Rosa Parks, a ativista norte-americana que, em 1955, recusou-se a ceder o lugar para um passageiro branco no ainda segregado estado do Alabama.
Rosa Parks.
Rosa foi presa, mas seu gesto terminou por disparar uma sucessão de revoltas e resistências por parte do movimento negro que levaria ao grande levante pelos direitos civis e tornaria seu nome imortal.
Rosa Parks.
A quantidade de prêmios e homenagens recebidas pela ativista é incalculável, e não só nos EUA.
Rosa Parks e o ex-presidente americano Bill Clinton.
Rosa Parks e o ex-presidente americano Barack Obama.
Medalha de ouro do congresso, com a inscrição "Mãe do Movimento dos Direitos Civis dos dias atuais".
O escritor continua frisando o esforço realizado pelos EUA, para torná-la um símbolo do movimento social e da luta pela igualdade de direitos, é de certa forma uma tentativa de reparar os crimes horrendos cometidos e ainda realizados pelo governo contra a população negra. Aqui nem há essa tentativa, na minha opinião. Ele afirma que o futuro do país é equivalente à qualidade de quem consideramos herói ou heroína em nossa história.
O mesmo conclui que; A voz de uma mulher como Antonieta precisa em muito ser elevada. Toda e qualquer conquista civil, desde então e para o futuro, serão também necessariamente frutos de sua luta.
Antonieta de Barros.
Conclusão.
Termino com um trecho do texto escrito pela jornalista e escritora, Aline Torres, para o jornal "El páis" , que nos diz:
“O nome de Antonieta deveria ser conhecido por cada criança que homenageia seus professores no dia 15 de outubro. Por cada mulher que exerce seu direito ao voto e disputa vagas nas eleições. Por fim, por cada brasileiro que sai às ruas indignado com os preconceitos de cor, classe e gênero.”
Conheça a história dela através de outras mídias digitais.
Para mais história das mulheres, acesse meu canal do Youtube: @historiafeminina - https://www.youtube.com/
Fontes; Textos retirados na íntegra e trechos modificados dos seguintes sites:
Commentaires